Qual a idade da maioridade? (parte 1)
Quando os jovens devem começar a responder criminalmente por seus atos?
Aconteceu em novembro de 2003, quando um adolescente de 16 anos, o Champinha, torturou, estuprou e degolou a adolescente Liana Friedenbach depois de ter assassinado a tiros o namorado dela. Aconteceu novamente em dezembro passado, em Araucária, no Paraná, quando um jovem de 17 anos abriu fogo contra uma multidão e matou uma garota de 9 anos. E foi assim também em fevereiro deste ano, quando João Hélio Fernandes, de 7 anos, ficou preso pelo cinto durante um assalto e acabou arrastado por 6 quilômetros, com a cabeça batendo no asfalto. Como no caso de Liana e da criança do Paraná, entre os culpados pela morte de João Hélio estava um menor. E, como em todas as outras vezes, pouco após o crime a polêmica estava posta: o Brasil deve reduzir a maioridade penal, hoje fixada em 18 anos, para levar à prisão os assassinos de João Hélio? Horas depois do crime, os governadores do Rio, Sérgio Cabral, de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, respondiam que sim, que a idade em que o adolescente passa a responder por seus crimes deve ser diminuída. E uma semana mais tarde deputados e senadores já adicionavam aos arquivos do Congresso 3 novos projetos com esse teor. Também foram retiradas das gavetas várias propostas antigas. Há quem queira reduzir a maioridade a 16, 14, 13, 12 e até 11 anos.
Hoje, ninguém com menos de 12 anos pode ser punido pelo Estado. Dos 12 aos 18, as condenações vão da prestação de serviços comunitários à internação em estabelecimentos educacionais. Nesses casos, os menores devem passar por reavaliações semestrais e podem ficar detidos por até 3 anos. Na pesquisa mais recente sobre o assunto, divulgada em agosto, 84% dos entrevistados disseram ser favoráveis a reduzir para 16 anos a maioridade. O presidente Lula já disse ser contra. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil também – apesar de o arcebispo emérito de Aparecida, dom Aloísio Lorscheider, ter opinião diferente: “Os adolescentes sabem o que estão fazendo”.
A questão obviamente é polêmica, daquelas em que o maior erro é buscar respostas simples. De um lado, afirma-se que a lei não cumpre seu papel de desestimular o crime e ainda provoca distorções no tamanho do castigo. É verdade. De outro, argumenta-se que colocar adolescentes em contato com presidiários só aumentará a periculosidade deles, além de não resolver as questões que levam adolescentes ao crime. Também é verdade.
Se não bastasse a complexidade de todas essas questões, há ainda a emoção. Tragédias como a de João Hélio fazem ser especialmente difícil manter a serenidade. O que nós buscamos aqui é exatamente o contrário – afinal de contas, é assim que as leis devem ser pensadas. Levamos a especialistas 4 perguntas essenciais para entender o debate. A seguir, você conhecerá as respostas.
Adolescentes são capazes de responder por seus atos?
Testes de QI vêm sendo revisados constantemente para ficar mais difíceis. Pesquisadores sentiram necessidade de fazer essas atualizações ao perceber que a nota de 100 pontos, antes considerada a média da população, estava sendo ultrapassada com facilidade pela maioria das pessoas. As revisões têm evitado que sejamos todos considerados superdotados, mas não impedem que uma realidade venha à tona: o QI médio sobe ano a ano. Nos países desenvolvidos, algo como 4 pontos por década. No Brasil, o crescimento total é de 20 pontos desde os anos 70.
É nos jovens que esse fenômeno se manifesta com mais força. Os motivos? Principalmente, a revolução tecnológica e cultural que dá aos adolescentes, cada vez mais cedo, acesso a uma enormidade de informações. E é aí que a conversa chega ao almoço de domingo, quando em plena discussão alguém afirma que os jovens hoje são muito mais inteligentes que os de antigamente. E, portanto, é lógico reduzir a idade em que eles passam a responder pelos seus atos.
Sim e não, responderiam os especialistas. Verdade, o acesso à informação faz os jovens de hoje conhecer muito mais que seus antepassados. Mas inteligência não é sinônimo de maturidade. Entre os 16 e os 20 anos, o corpo humano passa por transformações que influenciam nossa maneira de agir. Não é à toa que adolescentes desafiam o perigo, a autoridade e fazem qualquer coisa para impressionar amigos (e amigas). “O adolescente é emocionalmente imaturo. Até os 20 anos, toda pessoa está desenvolvendo a capacidade de julgamento moral”, diz o psicólogo Sergio Kodato, professor da USP em Ribeirão Preto.
Pesquisas com o uso de tomografias vêm explicando por que isso ocorre. Um antigo conceito médico dizia que o desenvolvimento do cérebro se completava na infância. Hoje sabemos que o córtex frontal, área localizada na frente do crânio, na altura dos olhos, passa por grandes alterações na adolescência. O córtex frontal é responsável pelo controle dos impulsos e pela empatia, a capacidade de se colocar no lugar de outras pessoas. Enquanto essa região não se desenvolve, o comportamento dos adolescentes guarda uma certa semelhança com o dos psicopatas – que não conseguem desenvolver sentimentos afetivos. “A habilidade de se comportar socialmente muda muito rápido nessa fase, e o córtex frontal de um jovem de 16 é visivelmente menos desenvolvido do que outro de 18. Claro que isso não justifica que adolescentes cometam crimes, mas é importante ter essa informação em mente quando discutimos a maioridade penal”, afirma a psiquistra Sarah-Jayne Blakemore, pesquisadora do Instituto de Neurociência Cognitiva da University College London.
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