segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Leis em Ação



Qual a idade da maioridade? (parte 2)

Quando os jovens devem começar a responder criminalmente por seus atos?

Qual a real participação dos jovens no mundo do crime?

O Brasil tem aproximadamente 35 milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos. Desses, 15 mil, ou 0,04%, são jovens infratores internados – a população de adultos presos é, proporcionalmente, 7 vezes maior. Eles têm um perfil bem claro: 90% são homens, 76% têm de 16 a 18 anos, 60% são negros e 90% largaram o colégio. “Quando discutimos a idade em que os adolescentes começarão a ser levados a presídios, estamos falando de homens pobres, com deficiê­n­cias graves na formação intelectual, cultural e social, que não têm renda nem casa própria e se encontram sem muita expectativa de futuro”, diz Sergio Kodato. Metade desses jovens são punidos na Região Sudeste, 16% cometeram infrações no Nordeste e outros 15% foram detidos no Sul. Dentro das unidades para adolescentes, o motivo mais comum para a detenção é o roubo, seguido de homicídio, furto e tráfico de drogas.

Ao contrário do que você costuma ler nos jornais, não é nas grandes capitais que os jovens causam mais problemas. Os crimes nas metrópoles têm mais repercussão, mas é no interior que a situação se agrava. “O Brasil vive um momento de interiorização dos crimes mais graves, como homicídio. E um dos motivos para explicar esse fenômeno é o crescimento da participação dos jovens”, afirma o coronel José Vicente da Silva, especialista em segurança pública e ex-secretário nacional de Segurança. Em São Paulo, os jovens da capital se envolvem mais com tráfico de drogas e porte de armas. Os do interior se destacam pelos crimes contra a vida. Dados de 2003 da Secretaria da Segurança Pública mostram que, na região metropolitana, os menores estão envolvidos em apenas 0,4% do total de homicídios. No interior, esse índice é mais de 5 vezes maior: 2,3%. Os jovens das cidades menores também estupram 3 vezes mais – são responsáveis por 6,3% de todos os ataques, contra 2,6% da capital. Em ambos os casos, porém, os crimes dos menores de 18 representam uma porção mínima dentro do universo total.

No tráfico e no porte de armas a coisa não é assim. A participação dos menores é mais expressiva que em outros crimes. Na capital, 13,1% das ocorrências de venda de drogas e 17,2% das prisões por porte ilegal envolvem menores. Especialistas sugerem uma explicação para essa desproporcionalidade: “É nor­mal menores assumirem o crime em nome de algum maior. Nos grupos de tra­ficantes, ir para a Febem é considera­do muito mais tranqüilo do que ser leva­do a uma penitenciária, principalmente porque o adolescente nunca fica preso por mais de 3 anos”, diz José Vicente.

Isso significa que diminuir a idade da maioridade penal reduziria os homicídios no interior? Atrapalharia os planos dos traficantes de drogas na capital? Diminuiria os roubos? É a próxima pergunta que fizemos aos especialistas.

Prender menores pode diminuir os índices de violência?

Como os jovens com menos de 18 anos não estão emocionalmente amadurecidos, faz sentido acreditar que eles tampouco se preocupam com os riscos que correm ao cometer crimes. Ainda assim, aumentar o rigor (e o cumprimento) da lei poderia inibir pelo menos uma parte desses infratores. É o que acredita o coronel José Vicente. “Vivemos em uma cul­­tura de baixo controle, em que a sensação de impunidade joga muitos jovens na direção do crime”, diz. “A ameaça de ir para a cadeia resolve, sim, para jovens e para adultos. Ela modera o apetite do criminoso porque faz com que ele pense duas vezes antes de agir. Prender mais é a forma mais rápida de conseguir resultados em curto prazo. Deu certo em Nova York, em Bogotá e em São Paulo, onde a polícia começou a agir com mais força e a prender mais”, afirma, citando 3 cidades que reduziram seus índices de homicídios.

Para os críticos da redução da maioridade, a questão precisa ser olhada por outro lado: prender adolescentes como criminosos comuns é inócuo. E, considerando-se o nível das penitenciárias brasileiras, é difícil esperar outra coisa de um adolescente colocado na cadeia além da reincidência no crime. Na prática, prender criminosos mais cedo poderia aumentar os números da violência a médio prazo. “Quando um jovem que cometeu um crime pouco grave vai para um presídio, pode ter certeza de que ele sairá de lá pronto para fazer coisas bem piores”, diz Sergio Kodato.

Mas, se deter adolescentes é uma bobagem, por que tantos países que têm índices de violência tão mais baixos que os brasileiros fazem isso? A Inglaterra prende jovens a partir de 10 anos. A Holanda, a partir de 12. “A maioria dos países considera que a gravidade do delito é mais importante do que a idade do infrator. O regime jurídico brasileiro não funciona assim. Aqui, a idade pesa mais do que o crime em si”, explica o advogado Walter Ceneviva, professor aposentado de direito civil da PUC-SP e contrário à redução. A prioridade do delito sobre a idade é um conceito jurídico antigo. Na Roma antiga, a Lei das 12 Tábuas, escrita no ano 450 a.C., determinava que homens com 7 a 18 anos e mulheres de 7 a 14 poderiam responder criminalmente, desde que o juiz interpretasse que eles estivessem conscientes de seus atos. É esse tipo de análise prévia que permitiu que, em 1993, na Inglaterra, dois garotos de 10 anos fossem julgados e condenados a 11 anos de prisão por torturar e matar James Bulger, um bebê de 2 anos. Eles levaram James para uma linha férrea, jogaram tinta em seus olhos e o espancaram com tijolos e barras de metal. Na avaliação do juiz que os condenou, o crime revelou premeditação e intenção, duas características de adultos. Por isso, a gravidade do homicídio prevaleceu sobre a idade, e ambos foram levados para um presídio comum. Ao final da pena, os dois jovens, considerados recuperados, foram libertados e ganharam um novo nome para fugir do estigma de assassinos. “Em países como a Inglaterra, o crime cometido tem mais peso, e a idade é apenas um atenuante. Quem avalia isso, caso a caso, é o próprio juiz”, diz Ceneviva. “No Brasil não temos essa sofisticação. Simplesmente levamos o jovem para qualquer Febem, tenha ele roubado uma bicicleta ou matado 3 pessoas.”

Nos EUA, a legislação varia tanto de estado para estado que jovens de 6 a 18 anos podem ser responsabilizados, dependendo do lugar onde cometeram seus crimes. Nos últimos 35 anos, 137 menores de 18 foram condenados à morte – coisa que não acontece na China, onde adolescentes de 14 a 18 anos podem pegar, no máximo, prisão perpétua. Outros países, como o Japão, não aceitam a prisão de jovens de menos de 20 anos. Adolescentes são julgados por um tribunal de família e podem ser submetidos a penas de, no máximo, 5 anos. Dados da Unicef mostram que a variação de leis no mundo é enorme e não obedece a padrões claros: na Europa, há países que prendem crianças e outros que esperam até os 18 anos. Por que estamos mais próximos dos japoneses do que dos ingleses? Porque, desde o começo do século 20, definimos maioridade como o momento em que o jovem completa sua escolaridade. Mas nem sempre foi assim. O primeiro código criminal do Brasil independente, de 1830, determinava que a idade de responsabilidade penal era 14 anos. O Código Penal da república seguiu esse padrão, mas dava aos tribunais condições de condenar jovens de 9 a 14 anos, desde que sua intenção de cometer um crime ficasse clara. Foi só a partir de 1921 que chegamos ao formato atual, com maioridade aos 18 e instituições educativas para os menores.

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