terça-feira, 20 de outubro de 2009



Qual a idade da maioridade? (parte 3 - FINAL)

Quando os jovens devem começar a responder criminalmente por seus atos?

O que fazer com os jovens infratores?

Apesar de popular, a redução da maioridade penal para 16 anos tem poucas chances de virar realidade. Existe uma controvérsia jurídica a respeito do assunto: a maioridade está estabelecida em um artigo da Constituição. Para mudá-la, seria necessário um enorme esforço no Legislativo. E, como a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal se diz contrária à alteração, inclusive Ellen Grace, presidenta do tribunal, a lei seria bombardeada juridicamente. Quer dizer então que ficamos do jeito que estamos? Não necessariamente. Existem alternativas já propostas para atacar o problema.

Em fevereiro, uma semana depois do assassinato de João Hélio, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram dois projetos de lei similares, que aumentam a pena dos maiores de idade que cometerem crimes em companhia de menores. Ter cúmplices menores seria um agravante, um motivo suficiente para aumentar a pena. “É uma boa idéia. Desestimularia a formação de gangues com integrantes jovens. Muitos menores de 18 entram para o crime dessa forma, agindo ao lado de líderes mais velhos”, opina Ceneviva.

A outra proposta em pauta é alterar o conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente para permitir que menores de 18 anos possam ficar detidos por mais de 3 anos. “Hoje, um assassino comportado pode ser liberado depois de 6 meses, desde que a análise psicológica determine que ele aprendeu a lição. Só que um ladrão de galinhas que não aceite as condições da Febem pode ficar os 3 anos. Falta critério. Isso para não falar dos casos em que o garoto de 14 mata uma vez, passa um ano detido, sai e mata de novo. Ele continua sendo considerado incapaz de responder por seus atos”, critica o advogado Ari Friedenbach, pai da estudante Liana, morta por Champinha em 2004. Ari afirma que hoje não mais defende a redução da maioridade, como fez logo após o assassinato da filha, por considerar que ela não resolveria a atual falta de proporção entre o tamanho da condenação e o crime cometido. “Precisamos garantir que um menor que comete crime hediondo passe por uma análise psiquiátrica e fique preso o tempo necessário. Mesmo que seja décadas”, ele defende. “Em alguns casos, temos que desistir da ressocialização.”

O aumento da pena para adolescentes infratores é defendido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A pedido do Ministério da Justiça, o juiz Luiz Flávio Gomes chegou a esboçar um projeto de lei, nunca colocado em votação, que cria penas diferenciadas para menores que cometam crimes hediondos. Elas poderiam passar de 3 anos, mas não seriam tão longas quanto a de um adulto. Dessa forma, no caso de crimes mais graves, o réu seria automaticamente emancipado e julgado como adulto, e a idade serviria apenas de atenuante na hora de determinar a pena. Essa medida parece agradar aos dois lados dessa discussão. “Se adotado em casos mais graves, aumentar o tempo de internação seria positivo”, diz o coronel José Vicente. “Seria um grande avanço, muito maior do que a própria redução da maioridade”, reforça Ceneviva.

É um consenso, ainda que pequeno dentro de toda a discussão. Na verdade, existe outro ponto em que todos concordam: a polêmica logo sumirá da mídia. Somente para voltar a ser discutida tão logo um adolescente participe de um crime chocante.

Na Colômbia, um adolescente só é tratado como adulto após os 18 anos. Na Inglaterra, aos 10. São países que adotam medidas opostas para lidar com seus jovens criminosos. Na Colômbia, os jovens menores de 18 anos são responsáveis por 14% dos homicídios que acontecem no país. Na Inglaterra, essa mesma faixa etária comete 12% dos assassinatos . Nos EUA, onde a idade da maioridade varia de estado para estado, 10,9% dos homicídios são cometidos por menores de 18 anos. Moral da história: os países têm legislações bastante diferentes, mas índices de criminalidade juvenil muito parecidos. Sinal de que a lei em si não tem impacto direto na redução da violência. A violência cometida por jovens é um fenômeno muito real, que precisa ser enfrentado imediatamente. Mas beira a inocência acreditar que a redução da maioridade penal no Brasil possa ser a solução da epidemia nacional de violência. “Vamos apenas jogar mais 11 mil jovens por ano nos presídios para conviver com criminosos profissionais”, diz Walter Ceneviva. “Existe uma distorção clara na forma como julgamos nossos jovens, e isso deveria ser corrigido para tornar nosso sistema judiciário mais justo. Mas a solução para o problema da violência não está aí.” Então é o caso de perguntar: onde está? Aí mora a charada: como resolver a questão da segurança pública? É preciso acabar com a impunidade generalizada. Melhorar a polícia. Diminuir as desigualdades sociais. Fazer o Estado mais presente. Corrigir desvios éticos em toda a sociedade. “Antes de serem criminosos, os adolescentes pobres são vítimas de uma sociedade injusta. Sem mudar esse quadro, nunca vamos reduzir a violência”, argumenta o psicólogo Sergio Kodato. Para o coronel José Vicente, caso de polícia se resolve com polícia bem treinada e bem remunerada, que não aceite propina nem precise ter um segundo emprego. E, também, com uma legislação mais dura. Que inclua mandar jovens para a cadeia.

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