segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Leis em Ação



AS LEIS BRASILEIRAS (PARTE 1)

Nosso Código Penal prevê penas muito brandas? Faz sentido dar tanto benefício a um condenado? Veja como melhorar a legislação e reduzir a impunidade

Uma jovem é assassinada a tesouradas, por um colega de trabalho e sua esposa, num matagal ermo. A vítima foi emboscada e não teve chance de se defender. A polícia prende os assassinos e a Justiça os condena. O rapaz, a 19 anos de prisão, por homicídio qualificado (com agravantes). A mulher, como cúmplice, a 18 anos e 6 meses. Mas eis que, dez anos depois do início das sentenças, os dois já estão em liberdade, graças a indultos e benefícios previstos em lei.

Para quem ainda não identificou o caso, trata-se do assassinato da atriz Daniela Perez, pelo qual foram condenados Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. O desfecho da história gerou revolta em familiares e amigos de Daniela e em parte da sociedade. Mas é preciso lembrar que tudo foi feito de acordo com a legislação em vigor. Nenhuma lei foi violada no caminho do processo, até a libertação dos dois. Para alguns, essa permissividade da legislação é a causa da criminalidade. Outros acham que o problema não reside nas regras, mas em seu cumprimento. Ao final, resta a questão: é essa a lei que a sociedade quer hoje para julgar quem infringe as regras do convívio social?

Antes, um histórico. O Direito Penal brasileiro fundamenta-se sobre três conjuntos de leis: o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Aos dois primeiros, uma das principais críticas é a de que eles estão ultrapassados, por terem sido escritos há várias décadas, num tempo em que os casos de seqüestro e narcotráfico, por exemplo, eram raros.

O Código Penal, escrito em 1940, transformou-se, nos últimos anos, numa enorme colcha de retalhos, tantas foram as emendas que tentaram atualizá-lo. É ele que descreve o que é crime e determina a pena para cada tipo de infração. O Código de Processo Penal, de 1941, é o que determina os passos que a Justiça deve respeitar diante da ocorrência de um crime, da investigação policial ao julgamento. É seu anacronismo que faz com que os processos se arrastem lentamente e com tantas protelações, em geral a favor dos criminosos. Por fim, a Lei de Execução Penal, de 1984, define as condições em que o sentenciado cumprirá a pena.

Considerada falha em muitos pontos, ela permite, por exemplo, que, depois de cumprido um sexto da pena, boa parte dos condenados alcance o privilégio de voltar às ruas para cumprir o restante da sentença no regime semi-aberto, no qual o sentenciado passa o dia em liberdade e só volta à noite para a prisão. Foi essa lei que devolveu a liberdade aos assassinos de Daniela Perez depois de cumprirem pouco mais da metade da pena.

Muitos especialistas acreditam que não é possível combater a criminalidade com leis tão ultrapassadas e cheias de anomalias. De fato, há distorções. A pena para um homicídio doloso (com intenção), por exemplo, vai de 6 a 20 anos, enquanto o tempo de cadeia para um funcionário público que mexer num computador para tirar vantagem indevida pode chegar a 12 anos. Num caso extremo, um homicida pode ficar seis anos atrás das grades, e um burocrata corrupto, o dobro do tempo. Essa distorção, que faz com que as penas para crimes contra o patrimônio sejam mais severas do que as para os crimes contra a vida, permeia vários artigos do Código Penal Brasileiro.

Fonte: Super Interessante, Ediçao 174, abril 2002

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